De Micaela Barbosa

“...
A vós fruidores da arte, a vós fazedores da arte, a vós amantes da arte, a vós críticos da arte, pergunto-vos: o que quereis vós da arte? Simplesmente isso, o que quereis que a arte vos dê? Ou que quereis vós dar à arte? Será que estamos assim tão distantes?

Em pensamentos fugidios, em momentos de vontades, fez-se necessário para mim, talvez só para mim, partilhar algumas ideias que convosco se foram maturando, convosco se foram contradizendo e convosco são agora comungadas, espero!

Eu quero simplesmente uma coisa da arte: DESAFIO!!!

Não quero da arte beleza, pois ela constantemente se cruza comigo, a verdade que eu tenho como beleza suprema e não algo fora dela.

Não quero da arte amor, pois sempre o encontro sem surpresa e sem transcendência na vida e o coloco noutro lugar especial.

Não quero da arte a dor, pois sem querer a vida ma dá de quando em vez.

Não quero da arte a história, pois alguém se encarregará de a fazer sem que se exija.

Não quero da arte a revolução, pois acredito mais em operários do que em artistas.

Não quero da arte um conceito, pois sou eu que o dou à arte e não ela que mo dá.

Não quero da arte uma forma, pois acredito no disforme.

Não quero da arte.....

Não quero nada da arte a não ser o sentir o abismo do desentendimento, ou melhor, o abismo do nada. Adoro estar perante algo que não entendo, que não sinto, que não toco. Adoro a viagem que tenho que empreender para me aproximar de algo, mas simplesmente no momento do toque já a arte desapareceu.

Tenho sentido em meu redor, palavras, sons soltos...conceitos presos...arte contemporânea, cinema pobre...pois meus amigos, para mim isto só faz sentido, só embarco nestes barcos se for para sentir o desafio, pois se for para me darem as vossas verdades acabadas, as vossas morais esperançadas, os vossos objectivos concretos, não metam a arte na conversa.

Do cinema, do teatro, da música, da poesia, das plásticas...só quero isto - DESAFIO!

A arte, o fazer artístico, já esteve ao serviço do outro do homem, do mito, do semi-deus, do deus, da politica, da moral, do sonho, do egocentrismo, do egoísmo, do real, até mesmo ao serviço da própria arte, imaginem...pois eu não quero mais um serviço, quero poder perder o equilibro...

Para mim a arte só faz sentido se for para me tirar os sentidos, para me inebriar, me confundir, me embebedar, me abismar e sobretudo me desafiar!!!

Ou então eu só faço sentido para a arte...se eu não tiver sentido algum...a arte tem que ir para além da vida...ela tem que criar uma outra vida, a sua vida, a sua própria vida, ou outro nome qualquer, e com ela poder flutuar.

E vós, quereis o quê da arte? Ou melhor, tendes algo para oferecer?

Me limito horas a fio a viver no fio da lógica, a viver no fio da razão, a viver no fio do sonho...mas e para além disso o que há?

Pois para mim, terá que haver a arte, não aquela que eu quero, simplesmente a arte que me desafia a querer ou a não querer.

Mas não me ofereçam aquela que eu não quero embrulhada em papel bonito!!!

Depois disto, já nem me apetece chamar arte à arte.

…”