Cansado chegou de mais um dia. Chamou por ela na cozinha, na sala, no quarto... Não estava. Franziu a testa, depois de tantas discussões... Pensou no pior, seria fácil para ela. Porém, para ele não. Investigou os armários, as roupas os perfumes. Não poderia ter o largado e deixado tudo aqui. “Deve ter ido á padaria ou coisa parecida”, pensou. Mas viu o papel em cima da cama - letras borradas de choro. E lá estava escrito:
Nos primeiros instantes, teve vontade de matá-la. Não queria morrer? Pois se ela estivesse ali, a mataria. Mas depois de alguns segundos, sentiu culpa. Veio o choro, à vontade de voltar no tempo. Não seria fácil, ele sabia desde do primeiro instante que a viu. Lembrou da imagem dela embriagada de Martini e cólera no bar escuro. E soluçou enquanto morria por dentro, seu mundo estava decompondo-se de pouco em pouco. Sentiu-se pequeno, ineficaz e apenas um monte de poeira cósmica inútil. “Liberdade? Isso é egoísmo!”, berrou e o eco se fez ouvir no vizinho. Cólera, raiva, amor, culpa, enjôo, nojo e um instinto telepático de impotência.
Pode me vê-la como quiser. Podem até se identificar com solidão. Eu deixo. Mas saberiam, que isso é arriscado pois nesta história ela é boa, é ruim e bem no meio: neutra. E as tempestades com que se perde são as mesmas coisas que você chama de ‘besteiras cotidianas’. Além disso as pessoas que passam na rua (de cabeça baixa, ar sério, andar rápido e um cabelo da moda) a desaperta nojo. É realmente desesperante e inevitável. Apesar de tudo Solidão é você em parte, mas sou eu, em tudo que nunca você viu. Define-se muito bem sucintamente como “O colateral das margens de erro”. E nos dias frios e insossos se cobre de culpa para chorar na frente da janela molhada.
Não sabia por que ficara ali na insossa solidão que a comia devagar. Na sarjeta de um banco frio com um litro de conhaque importado, que roubou do marido antes de fugir de casa. E para piorar começou a chover. O vento em seus cabelos e vontade de acabar com tudo, ficou ali parada com olhar fixo no nada. Bebeu mais um gole e pensou que amanhã seria terça-feira... Ela estava sendo como lindonéia: matando seu amor de dor.
“Solidão... Solidão... Retoquei o céu de anil mas a redenção não veio”, pensou, “Fazer o que?”
Tão bem ouvido era o som da menina gritando enquanto se debatia contra a raiva escancarada dentro de si. Pequenos olhinhos olhando para o infinito para não sentir a pura infinidade da dor latejante. Doía mais não era só pela pele, doía por dentro, sangrava internamente. Um sangramento que voltaria a jorrar mais tarde, depois de uma emancipação deste mundo para o mundo que ela iria criar. O mundo de descobertas alucinantes e fantasias futuras, que talvez, nunca se realizariam. Aí então choraria por fora, mas não saberia bem o ‘porque’, só uma forte dor latente da ferida que nunca cicatrizou. E nada mudaria... Só a solidão, que pareceria cada vez mais confortável onde encontraria o regato para sua sede que se convertera , agora, em angustia. Desconcertada sairia de manhã em busca de algo. Todos os dias sem poder escolher como ou o quê. Emocionaria-se com os sensacionalistas e morreria com poemas nas mãos.
Lembrou da época que estava ainda na escola. Sorriu e bebeu mais um gole. Podia até sentir o cheiro de lápis novo, do carpete, das crianças gritando, chorando, brincando... Esses cheiros do calor intenso das descobertas trigueiras. Para ela, nada melhor que os cheiros, eles regem uma outra parte de nós. Tudo se confundia: pasta de dente, chá, ano novo e chiclete. Tudo em uma grande mistura de solidão ou em Solidão, como quiser.