Personagem

Eu disse pra ela ir e pegar correntes pretas no fundo do salão. Senti solidão, o salão era muito grande e eu ficava cada vez menor dentro do palco. O impossível tava tão sóbrio e opaco que estiquei a mão e o segurei. Onde estava? Ela me disse que eu estava tão longe de mim que nem me entendia dentro do castelo de Psiquê. Me preocupei com as correntes do fundo do salão, uma rosa vermelha e um punhado de pensamento, alguns momentos perdidos na minha própria personagem. Dei passos na direção dela, a segurei e deflaguei uma flecha na escuridão, alguém entrou em cena. Não sabia quem era, não estava combinado. E gritava: FOGO! Furiosamente o infinito se definia no sempre, mas só para mim. Me queimava no giro celeste e agora via Eros, ingrato, me matou. Quebrou um por um meus pequenos vidros que estavam nos olhos. A luz refletiu em meu rebento, senti Chico na alma, em algum camarim chorando. E os meus cabelos se transformaram em cinzas toscas como a infinidade. Ela ria do meu desespero e ao mesmo tempo morria comigo. Animal imbecil! Ela não pegou as correntes, falou que estava pesada, e ria, ria ... O malandro que passava se aproveitou para furtar jóias das velhas na platéia. Observei o desempenho daquele esquelético monstrinho que tomava a minha atenção, enquanto a dor de ser levada pelo vento como o corpo dos retirantes era cuel. As mãos sumindo e subindo. Obedeci quando ela disse que eu iria e não seria prática. Ria com o furor da alma quando o malandro tirou a arma do bolso da camisa. Agora silêncio. Pensei em marcha fúnebre e na melancolia de todo esse assunto. Só o barulho do crepitar das cortinas queimando. Todos em silencio! O menino arrumou a visão para atirar, mas antes que eu percebesse o tiro saiu e a vitima ensangüentada de sangue púrpura morreu. Ela ria, ria e ria. Onde andaria?





Si le soleil disparaît

Preciso cortar alguns laços, desses que agente treme só de pensar. O que me falta é coragem. Por isso sinto enjôo, deito, rolo, levanto, esmago, caio e subo, mas não me enquadro. Aquela vontade de sumir ainda não sumiu. E fica escondida o tempo todo na menina, que dorme de baixo do meu travesseiro em uma foto. Queria entrar na toca do coelho e lá mesmo ficar, entre as descobertas e o gato que ri. Como é mesmo o nome dele? Mas não sei se a vontade sumiria... Ou aumentaria? Para qualquer causa o tempo está aí com seus efeitos. Furtivo e contínuo em uma sopa quente. Opa! Ou na solidão da lua, que não vejo daqui de dentro. Mas mesmo assim a vontade não se vai. O que fazer bem tarde? Mentiras, soluços, ' Bag and bye'. Prefiro suspirar, pensar e sentir saudade do que ter coragem. E ainda de vez em quando me sentir cruel comigo mesma e afogar mais ainda. Tão doce quanto o sorriso sem alegria... Mas leve que o pesado mar. Espero que possa se apagar.

Lua Cheia

São apena palavras
E mais uma lágrima
E a cada tear
Do temor
Final feliz tão distante
Morte em cada passo
Um sorriso
Me olha e não explica
Clareando os escuros do dia
Não queria estar aqui
Nem muito menos sentir
Tão longe apenas por precaução
Do lado mais sombrio que se pode ter
No segundo de insensatez
A morte e a fraqueza
Encontrou
E me deixou tão só
Sangra na sala
Remorso
Egoísta
Pobre de mim
Moinho de vento
Vai e volta

Hipocrisia nossa de cada dia

Não faz tempo que venho sentindo verdadeiro nojo do comportamento humano. O mesmo nojo, que não tão obstante, engoliu e marcou todo a geração nos anos 70 e 80. Enquanto deixamos ser representado por literatura vampiresca, tecnocratas, imperialistas e os tão populares “traficantes”. Sem falar de um desinteresse tão grande, que até aqueles que tem capacidade nem se movimentam para fazer a diferença. Ficam na frente da tv assistindo Se Liga Bocão, enquanto engolem com vontade um enorme hambúrguer, ou coisa do tipo. Não sei se é pior aquele que não tem nenhum acesso á informação e age assim, ou aquele que tem pura consciência do que faz e não faz nada para modificar a grande crise que hoje nos devora. Ò hipocrisia nossa de cada dia...

Tenho uma tese muito singela sobre mães que não sabem cozinhar e filhas que cozinham muitíssimo bem. È dedutível que quando não lhe é oferecido algo pronto você vai procurar fazer para si, ou...Quando se têm direitos: se rebelar contra. E assim funciona o revezamento da consciência juvenil. Ter alguma posição ideológica (se é que isso é bom) é coisa de velho, como aconteceu com os jovens na década de 60. Ter algum interesse pelo mundo hoje, é coisa de Nerd (ou CDF, se prefere). E o caminho da humanidade se faz em seus desajustes. Ficamos á espera, com certa esperança, que os filhos destes resolvam fazer sua própria comida. Ou quem sabe questionar a postura do passado deste mundo, pensando em um novo futuro. Ah sim, não se esqueça, se não mudarmos de pressa, este será nosso futuro...

Observação...

Homens ... que perdem saúde para juntar dinheiro ,e depois perdem dinheiro para recuperar a saúde .
E por pensarem ansiosamente no futuro,esquecem do presente de tal forma que acabam por não viver nem o presente nem o futuro.
E vivem como se nunca fossem morrer...
...e morrerem como se nunca tivessem vivido.

Dalai Lama

Trecho de Objeto Semi-identifica (Gilberto Gil)

"- Tudo é número. O amor é o conhecimento do número e nada é infinito. Ou seja: será que ele cabe aqui no espaço beijo da fome? Não. Ele é o que existe, mais o que falta.

- O invasor me contou todos os lances de todos os lugares onde andou. Com um sorriso nos lábios ele disse: "A eternidade é a mulher do homem. Portanto, a eternidade é seu amor".

A cultura, a civilização só me interessam enquanto sirvam de alimento, enquanto sarro, prato suculento, dica, pala, informação.

- A loucura, os óculos, a pasta de dentes, a diferença entre o 3 e o 7. Eu crio.

A morte, o casamento do feitiço com o feiticeiro. A morte é a única liberdade, a única herança deixada pelo Deus desconhecido, o encoberto, o objeto semi-identificado, o desobjeto, o Deus-objeto.

- O número 8 é o infinito, o infinito em pé, o infinito vivo, como a minha consciência agora.

- Cada diferença abolida pelo sangue que escorre das folhas da árvore da morte. Eu sou quem descria o mundo a cada nova descoberta. Ou apenas este espetáculo é mais um capítulo da novela "Deus e o Diabo etc. etc. etc."

- O número 8 dividido é o infinito pela metade. O meu objetivo agora é o meu infinito. Ou seja: a metade do infinito, da qual metade sou eu, e outra metade é o além de mim."

Lua bonita - Zé Martins

Lua Bonita:

Se tu não fosses casada

eu pegava uma escada

lá noi céu no céu pra te beijar,

ese juntasse

teu frio com meu calor

que dirá nosso senhor se tu comigo te casar.



Lua Bonita me faz aborrecimento

ver São Jorge num jumento

pisando teu quilarão.

Pra que casastes com um homem tão sizudo

que come, dorme, faz tudo dentro do seu coração.



Lua Bonita, meu São Jorge é teu senhor

e é por isso que ele vive,

pisando teu esplendor.

Lua Bonita se tu ouvistes meus conselhos…

Vai ouvir pois sou alheio,

quem te fala é o meu amor.



Deixa São Jorge no seu Jubaio amontado

e vem cá para o meu lado

pra gente viver sem dor,

deixa São Jorge no seu Jubaio amontado

e vem cá para o meu lado

pra gente viver sem dor.

Lua bonita

Eu preparava um estrada para a ilusão me ninar
Para ir te buscar
Ò lua
Mesmo sem os conselhos
Dos alheios
Mesmo assim,
Não terá a chance de sentir dor
Por que o amor
Do seu autor
É muito maior
Mesmo que São Jorge prefira o cavalo
Deixa ele e vem cá
Por que meu pecado
É te admirar


Flor da Idade - (Chico Buarque)

A gente faz hora, faz fila na vila do meio dia
Pra ver Maria
A gente almoça e só se coça e se roça e só se vicia
A porta dela não tem tramela
A janela é sem gelosia
Nem desconfia
Ai, a primeira festa, a primeira fresta, o primeiro amor

Na hora certa, a casa aberta, o pijama aberto, a família
A armadilha
A mesa posta de peixe, deixe um cheirinho da sua filha
Ela vive parada no sucesso do rádio de pilha
Que maravilha
Ai, o primeiro copo, o primeiro corpo, o primeiro amor


Vê passar ela, como dança, balança, avança e recua
A gente sua
A roupa suja da cuja se lava no meio da rua
Despudorada, dada, à danada agrada andar seminua
E continua
Ai, a primeira dama, o primeiro drama, o primeiro amor


Carlos amava Dora que amava Lia que amava Léa que amava Paulo
Que amava Juca que amava Dora que amava Carlos que amava Dora
Que amava Rita que amava Dito que amava Rita que amava Dito que amava Rita que amava
Carlos amava Dora que amava Pedro que amava tanto que amava
a filha que amava Carlos que amava Dora que amava toda a quadrilha

À Sófocles!

Retiraria tudo que já foi escrito para me colocar no lugar de Édipo, e ter motivo para ir sem mais voltar. A liberdade de não querer esperar e os acontecimentos mais fúteis suportar, só para então entregar ao mundo a minha sentença melancólica de perdão eterno. Huuuu, quem seria eu a tomar o lugar do rei, por vezes chamado de sábio e por vezes xingado de desgraçado. E com o sangue dos meus olhos lavaria o chão sujo do castelo para ir embora, para onde minha saudade tece e puxa meu peito, minha alma caída. Quanta bobagem! Surpreenderia-me se fosse diferente, se fosse pra dentro em vez de para fora, aos montes atrás dos pregos dos meus pés. Saudades cortantes como os colchetes de Jocasta e do terrível destino de Perseu...